Novas pesquisas estão mostrando o papel decisivo do intestino na regulação recíproca do cérebro e do organismo,podemos chamar o sistema nervoso que reveste o aparelho digestivo de um segundo cérebro.
Uma área de pesquisa promissora em Neurociências é o estudo da sinalização entre o trato gastrointestinal e o
cérebro, pois está ficando cada vez mais claro que existe uma comunicação bidirecional, que é regulada tanto em nível neural e hormonal quanto imunológico. Esse conceito é conhecido como “eixo cérebro-intestino”, um sistema vital para a homeostase, que se reflete em saúde e em doença, dependendo do tipo de colonização das bactérias que vivem no microbioma do intestino.
Os neurônios que revestem o aparelho digestivo são chamados de sistema nervoso entérico, e algumas estimativas avaliam como sendo composto de mais de cem milhões de células nervosas. certa- mente, a maioria das pessoas não sabe da existência desse segundo cérebro. Embora a quantidade de neurônios do sistema nervoso entérico pareça ser grande, os números relacionados à microbiota que vive em nossos intestinos é muito mais surpreendente. O nosso trato gastrointestinal tem dez vezes mais microrganismos do que o número total de células de todo nosso corpo, e cerca de 150 vezes mais genes do que nosso genoma. são pelo menos mil espécies de bactérias diversificadas em cerca de 7 mil linhagens.
É um sistema tão complexo que alguns neurocientistas es- tão propondo mudar a denominação para “eixo cérebro-intestino-microbiota”, por ser um termo mais preciso e abrangente. A colonização do intestino se inicia no nascimento, com influência da assina- tura materna, e exibe grandes diferenças individuais. Em um bebê de um ano de idade, já existe um complexo microbioma, semelhante ao de um adulto, e o número e a diversidade das bactérias anaeróbicas aumentam como resultado da composição da dieta e do tipo de ambiente encontrado. fatores como infecções, doenças, dieta e antibióticos afetam a composição da microbiota, e a alimentação industria- lizada leva ao desenvolvimento de uma população que desencadeia mais processos inflamatórios.
Qualquer alteração nesse microbioma que leve ao declínio das bactérias “amigas” pode influenciar, de forma negativa, a saúde do indivíduo. Estudos têm apontado que as mudanças na microbiota central, que ocorrem ao logo do tempo de vida de uma pessoa, estão relacionadas a efeitos adversos na saúde nos hospedeiros mais velhos. Uma das variáveis que mais afeta a composição da microbiota, é o uso frequente na infância de antibióticos, pois eles atingem as bactérias “amigas” também, deixando a flora intestinal arrasada. A microbiota do intestino tem uma relação direta com o humor e o comportamento, e pode exercer influência sobre a ansiedade e a depressão, por exemplo. quando a microbiota é manipulada, com uso de antibióticos ou probióticos (que aumentam as bactérias amigas), são provocadas alterações nos comportamentos ligados a transtornos de ansiedade ou do humor. Na infância, experiências de estresse podem afetar negativamente a composição da microbiota. alguns estudos em modelos animais mostram que estresse durante a gravidez faz a prole nascer com alterações na colonização do intestino, sugerindo que o ambiente pré-natal ou infantil, de certa forma, programa a futura resposta ao estresse do indivíduo.
A microbiota do intestino tem papel importante na regulação do neurotransmissor serotonina, que é chave para modular a resposta ao estresse, afetando a cognição, o comportamento e o humor do indivíduo. recentes investigações demonstraram que algumas formulações de probióticos têm produzido efeitos psicológicos positivos em populações de sujeitos saudáveis, produzindo mudanças na atividade cerebral verificada em estudos de neuroimagem. a barreira mucosa intestinal, uma espécie de camada protetora que recobre o intestino, pode estar alterada em certas condições psiquiátricas. O termo usado pelos pesquisadores, em inglês, para descrever essa falha na integridade da barreira intestinal é leaky gut, ou intestino vazado. Ou seja, o intestino fica com pequenos furos, que permitem a passagem de bactérias nocivas, e estas causam potentes processos inflamatórios e reações imunes. Na depressão crônica, por exemplo, encontra-se aumentada a proporção de enterobactérias gram-negativas, e isso induz uma resposta autoimune relacionada à serotonina, que leva à fadiga e depressão. Os pesquisadores desenvolveram modelos animais de estudo, e verificaram um aumento da depressão quando administraram essas bactérias nocivas nos animais de laboratório.
O mais interessante é que a depressão induzida pelas bactérias negativas pode ser revertida com uso de probióticos, os compostos concentrados em bactérias “amigas”.
Desta forma, fica clara a importância de uma microbiota saudável e de uma barreira intestinal preservada para a saú- de mental e para o adequado funciona- mento do cérebro. para cuidar da complexa flora intestinal e da permeabilidade do intestino, a dica é redução do estresse e do uso indiscriminado de antibióticos, mas, além disso, consumir uma dieta rica em fibras e baixa em gorduras saturadas e carboidratos refinados. O consumo de fibras promove um aumento de bactérias amigas e inibe a proliferação das bactérias nocivas, alterando o equilíbrio entre a saúde e a doença. Enquanto uma dieta rica em gordura e carboidratos refina- dos aumenta os furos na permeabilidade do intestino e processos inflamatórios, a adoção de uma dieta semelhante à mediterrânea, com vegetais e frutas, pode promover mudanças importantes na composição da microbiota e síntese de substâncias anti-inflamatórias, que garantem a saúde do indivíduo.